moimeichego

1.5.13

Caulfieldiano


Ele mirou o abismo. Lá estavam despejados todos os seus natimortos, olhando de volta. Não choraram dessa vez. Seu colo já não lhes fazia falta e o frio que corroia a pele já havia corrompido as terminações nervosas, secado as glândulas lacrimais e rachado as cordas vocais.

Olhavam de volta e o silêncio daqueles abortos adentrou seus olhos como dois gumes secos. Perfurou seus tímpanos e escorreu crânio adentro até inundar a garganta, afogar os gritos, diluir o pranto.

A tormenta então submergiu ao estômago, alagou as artérias, rompeu as veias, mas não subiu aos olhos. Jamais aos olhos. Estes eram secos.

(Botou, então, seu casaco e deu meia volta. Estava atrasado para a aula.)
posted by Lucas Lara at 12:59 0 comments

30.8.11

Lua e Sol



E de teu sol, incenssáveis eram as flamas ardis cujo lânguido lambear acalentava meu celeste corpo, até que do pálido desalento de meu cosmo que degelou-se, liquefeito em lágrimas infindas, formou-se tão turvo rio.

Arguir-me-ias, então, amado, de todas as pessoas que nele se afogaram?

Pois de tudo, lembre-se antes, amado, que de dois astros que se colidem, o que há sempre de se restar é o vazio de um buraco negro, onde tão formosa luz que doutrora irradiava, doravante há de jazir.

(Dissipa-te, então, sepulcral e torvo mar de mim mesmo. Pois cabe à tua ínfima chuva desluzir agora a combustão de um sol inteiro.)
posted by Lucas Lara at 03:15 0 comments

28.7.10

Nevertheless




Não obstante o gruir de nova tormenta, a brisa soprou-lhe terna e árida.
Não obstante o furor da procela em seu âmago, a primeira lágrima desceu-lhe silente e derradeira.
E, sobre tudo, não obstante a alma transbordar de estesia, a vida estagnou em ferrugem e tons de sépia.

(Eu gostaria que chovesse.)
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18.12.09

Ego au Feu; Post-Scriptum



Pelas chagas pútridas escorriam o derradeiro testemunho de que o aconchego de teu ninho convertera-se em heras venenosas, ressequidas e nocivas a emaranharem-se em sua própria mesquinhez.

Não obstante, deitei-me no áspero leito de teu ser - outrota cama de frondosas copas. Afundei-me em tua natureza mirrada e desbotada.

Então, em vicioso ode à asfixia em que a putrefação acarretava, entoei o mais belo cântico que a infância corrompida me permitira lembrar.


Só não havia percebido que era um canto fúnebre.


(E, hoje, para os enfermos que se atrevem a repousar aqui, tudo que restou são cinzas.)
posted by Lucas Lara at 05:48 3 comments

2.9.09

Ego au feu



Lembra-te, pequeno, de onde tua luz há de resguardar resquícios sagrados do ruir precoce da cândida infância.

Lembra-te, pequeno, que já terias sucumbido em dor e rancor, se não soubesses como zelar por tal candura. E sorrir para o que há de vir no alvorecer candente, onde anjos de carne flamejam à antemanhã, queimando as trevas em pura luz.

Lembra-te, pequeno, lembra-te! E branda o furor de tua redenção! E, ao ardor de nova aurora, em ti mesmo reluzirá nova ascenção.
posted by Lucas Lara at 01:54 1 comments

2.8.09

Do Algoz de Si Mesmo




Submerja-te, pequeno lorde, em teu sepulcral e torvo mar de si mesmo.

Afunda-te à tua parte mais recôndita, onde a inane sentina de teu eu seja o único testemunho de teu padecer, dissolvendo choros lúgubres em afável canto de jubarte, alheio à tormenta superficial.

Uma vez lá, dê a ti de beber a umbra de teu próprio âmago, lânguido a espalhar o veneno torpe pelas próprias veias...

E feche os olhos.

(Bons sonhos, meu doce lorde.)
posted by Lucas Lara at 19:04 2 comments

2.6.09

Alguém superior...



Novamente tua sensatez patriarcal liquefaria, sem esforço, minhas frívolas lamúrias em lágrima intrusa e sorrateira, silente como a histeria muda da falta de toque de um pacto debilmente velado pelo próprio silêncio.

E sem esforço, tua benevolência onipresente acolheria em braços minha egolatria umbrófila e vã novamente.

Novamente, nada mais que novamente.

(E, ao ritmo apressado do bater de coração mais brando que já presenciei, digo obrigado enquanto deveria pedir perdão.)
posted by Lucas Lara at 05:05 3 comments