moimeichego
1.5.13
Caulfieldiano
Ele mirou o abismo. Lá estavam despejados todos os seus natimortos, olhando de volta. Não choraram dessa vez. Seu colo já não lhes fazia falta e o frio que corroia a pele já havia corrompido as terminações nervosas, secado as glândulas lacrimais e rachado as cordas vocais.
Olhavam de volta e o silêncio daqueles abortos adentrou seus olhos como dois gumes secos. Perfurou seus tímpanos e escorreu crânio adentro até inundar a garganta, afogar os gritos, diluir o pranto.
A tormenta então submergiu ao estômago, alagou as artérias, rompeu as veias, mas não subiu aos olhos. Jamais aos olhos. Estes eram secos.
(Botou, então, seu casaco e deu meia volta. Estava atrasado para a aula.)
30.8.11
Lua e Sol
E de teu sol, incenssáveis eram as flamas ardis cujo lânguido lambear acalentava meu celeste corpo, até que do pálido desalento de meu cosmo que degelou-se, liquefeito em lágrimas infindas, formou-se tão turvo rio.
Arguir-me-ias, então, amado, de todas as pessoas que nele se afogaram?
Pois de tudo, lembre-se antes, amado, que de dois astros que se colidem, o que há sempre de se restar é o vazio de um buraco negro, onde tão formosa luz que doutrora irradiava, doravante há de jazir.
(Dissipa-te, então, sepulcral e torvo mar de mim mesmo. Pois cabe à tua ínfima chuva desluzir agora a combustão de um sol inteiro.)
28.7.10
Nevertheless
Não obstante o gruir de nova tormenta, a brisa soprou-lhe terna e árida.
Não obstante o furor da procela em seu âmago, a primeira lágrima desceu-lhe silente e derradeira.
E, sobre tudo, não obstante a alma transbordar de estesia, a vida estagnou em ferrugem e tons de sépia.
(Eu gostaria que chovesse.)
18.12.09
Ego au Feu; Post-Scriptum
Pelas chagas pútridas escorriam o derradeiro testemunho de que o aconchego de teu ninho convertera-se em heras venenosas, ressequidas e nocivas a emaranharem-se em sua própria mesquinhez.
Não obstante, deitei-me no áspero leito de teu ser - outrota cama de frondosas copas. Afundei-me em tua natureza mirrada e desbotada.
Então, em vicioso ode à asfixia em que a putrefação acarretava, entoei o mais belo cântico que a infância corrompida me permitira lembrar.
Só não havia percebido que era um canto fúnebre.
(E, hoje, para os enfermos que se atrevem a repousar aqui, tudo que restou são cinzas.)
2.9.09
Ego au feu
Lembra-te, pequeno, de onde tua luz há de resguardar resquícios sagrados do ruir precoce da cândida infância.
Lembra-te, pequeno, que já terias sucumbido em dor e rancor, se não soubesses como zelar por tal candura. E sorrir para o que há de vir no alvorecer candente, onde anjos de carne flamejam à antemanhã, queimando as trevas em pura luz.
Lembra-te, pequeno, lembra-te! E branda o furor de tua redenção! E, ao ardor de nova aurora, em ti mesmo reluzirá nova ascenção.
2.8.09
Do Algoz de Si Mesmo
Submerja-te, pequeno lorde, em teu sepulcral e torvo mar de si mesmo.
Afunda-te à tua parte mais recôndita, onde a inane sentina de teu eu seja o único testemunho de teu padecer, dissolvendo choros lúgubres em afável canto de jubarte, alheio à tormenta superficial.
Uma vez lá, dê a ti de beber a umbra de teu próprio âmago, lânguido a espalhar o veneno torpe pelas próprias veias...
E feche os olhos.
(Bons sonhos, meu doce lorde.)
2.6.09
Alguém superior...
Novamente tua sensatez patriarcal liquefaria, sem esforço, minhas frívolas lamúrias em lágrima intrusa e sorrateira, silente como a histeria muda da falta de toque de um pacto debilmente velado pelo próprio silêncio.
E sem esforço, tua benevolência onipresente acolheria em braços minha egolatria umbrófila e vã novamente.
Novamente, nada mais que novamente.
(E, ao ritmo apressado do bater de coração mais brando que já presenciei, digo obrigado enquanto deveria pedir perdão.)